A suspensão condicional do processo, comumente chamada de sursis processual, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95, é cabível a qualquer crime cuja pena mínima prevista in abstrato não exceda um ano.
O assunto merece uma reapreciação, por conta das eventuais modificações que teriam sido impostas na suspensão condicional do processo pela recente reforma do Código de Processo Penal, mais especificamente pela Lei 11.719, de 23 de junho de 2008, que modificou os ritos ordinário e sumário e, ainda, apresenta comando (art. 394, § 4º) que, entre outras coisas, estende a existência de uma fase de apreciação da possibilidade de absolvição sumária (art. 397/CPP) a todos os ritos, mesmo que de leis especiais.
Art. 394, § 4º, do CPP. As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV - extinta a punibilidade do agente.
Antes desta lei, quando oferecida a denúncia com proposta de suspensão condicional do processo, havia o recebimento da denúncia, determinando a citação do réu e a sua intimação para o interrogatório e/ou audiência de proposta de suspensão condicional do processo. Alguns juízes faziam somente a proposta de suspensão e outros a faziam apenas após o interrogatório, seguindo o rito e na intenção de ouvir a versão do réu – para o caso de o réu foragir e o defensor nomeado possa, ao menos, saber qual seria a sua tese defensiva. Entretanto, agora, qual é o seu momento ideal? Antes ou depois da resposta escrita ou de qualquer outro momento?
De logo, deixamos claro que, data venia, não apoiamos o entendimento de Paulo Rangel (Direito Processual Penal. 15. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008. p. 495), que prega somente haver recebimento da renúncia quando analisada a admissibilidade da acusação, ou seja, após a resposta escrita, por ocasião do art. 399/CPP e não na do art. 396 – apontada por quase toda a doutrina. Não faz sentido ter o legislador utilizado o termo “recebe-la-á” no art. 396/CPP, se não fosse para o recebimento legal da peça e não meramente físico, não teria o legislador inserido este verbo. Realmente, no projeto de lei que culminou nessa alteração, não havia a intenção desse recebimento inicial, que, de forma similar ao rito da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), era apenas o acusado “notificado” para a resposta escrita e, depois, se não for o caso de recebimento ou se for o caso de absolvição sumária, haveria o recebimento. Entretanto, o legislador não aprovou isso e alterou o projeto para a forma que foi sancionada, como uma colcha de retalhos, e, por isso, com erros como o “recebida a denúncia ou a queixa” do art. 399/CP.
Parece-nos mais interessante que a proposta seja realizada após a apresentação da defesa prévia, após o magistrado afirmar não estar presente qualquer das hipóteses que autorizam a absolvição sumária. Ao invés de designar audiência de instrução e julgamento, proceder-se-á a de proposta de suspensão. Isto ocorre porque, sem dúvida, será mais benéfico para o réu a absolvição sumária do que a mera suspensão condicional, por dois a quatro anos. Ademais, pode compreender o julgador por não efetuar a referida audiência, caso o réu, já deixe claro na sua resposta escrita a intenção de aceitar a proposta, normalmente feita na denúncia, e o magistrado não entenda por bem inserir outras condições
É claro que, para suspender o processo, é preciso que ele exista. Tanto o é que, no procedimento sumaríssimo, caso o acusado aceite a proposta, haverá o recebimento da denúncia e, em seguida, homologada a referida suspensão. Por isso, para os que seguem o entendimento do recebimento da denúncia ou queixa ser após a apreciação da resposta escrita, lembramos da necessidade de receber essa peça, em seguida afirmar da inexistência de amparo para a absolvição sumária.
Aproveitamos a oportunidade para lembrar que o período de prova está sendo muito mal utilizado na prática, pois estão esquecendo os aplicadores que ele é de dois a quatro anos e um maior ou menor período de prova deve decorrer diretamente da gravidade do crime. Como pode ser fixado o mesmo prazo de dois anos para o crime de ameaça (art. 147/CP - pena abstrata de um a seis meses ou multa) e para o crime de estelionato (art. 171/CP – pena de um a cinco anos e multa)? Não parece estar havendo proporcionalidade. A utilização do prazo de dois anos para todos os casos transforma o instituto exatamente no que tememos que ele se torne: uma forma do Judiciário livrar-se mais rápido do processo. Deve-se sopesar a gravidade do delito, auferível pela sua pena in abstracto, para fixar o período de prova.
O sursis processual está longe de ser meramente um “instituto despenalizador”, pois esse título mais parece atinente a algo criado apenas para eximir o Estado de cumprir a sua obrigação de exercer o jus puniendi. Antes disso, é hábil instrumento de justiça e economia processual. Ele permite – como sempre lembramos nas preleções que fazemos quando explicamos aos réus a finalidade da proposta feita pelo representante do Ministério Público – “separar o joio do trigo”, ou seja, analisar se aquele caso, o ilícito em tese cometido foi um incidente isolado na vida do réu ou se é o despertar de uma vida criminosa. Afinal, experiência forense nos mostra que, quando o réu está decidido a “progredir” (?!?) na carreira criminosa, a nova incursão sempre acontece antes do término do período de prova.
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