quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Quando eu era estudante de Direito

(Publicado originalmente no Jornal Carta Forense, São Paulo, novembro/2006, p. F10)

Muito fácil falar sobre o assunto, pois ainda me considero e efetivamente sou um estudante de Direito. Ademais, não cheguei a ter problemas do tipo caminhadas para ir estudar, filhos ou casamento precoce e acredito que a minha trajetória não chegou a ser árdua ou sofrida, mas, sem dúvida, foi de perseverança.

Talvez por ser filho temporão de pais com 47 e 45 anos, sempre fui ciente de minhas obrigações estudantis, ou seja, que a minha parte era estudar. Eu bem as desempenhava, chegando ao ponto de afirmar que meu pai não sabia a série que eu cursava: apenas lhe pedia dinheiro para as matrículas e mensalidades e recebia os cheques para efetuar os pagamentos. Não sabe ele como foi atroz a dúvida entre dois talentos que tive e que andei muito inclinado pela computação, que sempre tive como hobbie, até que um professor do segundo grau percebeu a minha fácil assimilação para assuntos ligados aos Poderes estatais, atividade legislativa e outras abordadas pela disciplina de OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e me convidou para ser seu monitor.

Quando eu realmente iniciei o estudo (1990), na graduação da Faculdade de Direito da UFPB, eu era um simples adolescente comum, com 17 anos bem permeados de rock dos anos 80, que fazia academia, lia best-sellers e revistas em quadrinhos, namorava, tinha muita habilidade com os recursos de informática e não dispensava praia e cinema.

Desde o início do curso eu já digitava trabalhos e monografias para ganhar algum dinheiro. Nada demais, apenas para não pedir ao meu pai o dinheiro da saída ou de algum presente para namorada e amigos. Na metade do curso (1992), eu já dava aulas de Windows, Word For Windows e Page Maker. Eu me orgulho de dizer que fui o primeiro professor de tais programas na Paraíba. Tinha, também, uma incessante curiosidade sobre o que me aguardava na última fase de jogos como Wolfstein 3D, Doom, Quake e outros que lhe seguiram.

Confesso que, com tantas atividades, não me dediquei com afinco às matérias da graduação e, como alguns professores também não chegavam a inspirar os alunos a ir em busca de um plus em relação aos estudos, fui um aluno mediano, que, inobstante prestar atenção às aulas e estar sempre presente, apenas estudava o suficiente para vencer as cadeiras. Eu sofri as conseqüências disso quando estava estudando para concurso, pois tive de praticamente reiniciar os estudos de Direito Processual Civil e Penal. Por sorte, essa reconciliação foi tão proveitosa, que são até hoje as minhas preferidas, que continuo estudando e tentando transmitir.

No último ano do curso (1994), fui chamado num concurso que prestei para oficial de justiça e assumi a função perto do final do curso, vez ser um cargo de nível médio.

Após a colação de grau, as minhas atividades estudantis continuaram, pois resolvi fazer o Curso Preparatório para a Carreira de Magistrado da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, afinal, já tinha me decidido pela magistratura desde o segundo ano da graduação, conseguindo aprovação no exame de seleção daquele ano. Denoto que, além do meu pai, já tinha um irmão do Ministério Público e aquele sempre tentou me convencer a seguir a carreira de promotor de justiça.

Com alguns bons amigos que fiz no ano em que cursei a ESMA (1995), continuei a estudar tão logo da virada do ano, toda a noite, até que os olhos não mais se agüentassem da rotina pesada de um duplo expediente na Coordenadoria de Processamento de Dados do Tribunal de Justiça da Paraíba, para onde me requisitaram, quando cientes da minha qualificação na área de informática, plenamente compatível com a intenção do então presidente daquele órgão, Des. Antônio Queiroga, em informatizar todo Estado. Foi uma oportunidade interessante, percorrer várias comarcas do interior do Estado, instalando os computadores, ministrando treinamentos e conhecendo alguns fóruns e muitos futuros colegas.

O estudo noturno em casa com os amigos durou anos. Neste tempo, fui reprovado em alguns concursos que foram aparecendo, mas foi sensível a minha evolução, sempre logrando atingir uma fase mais qualificada no concurso seguinte.

Nesta época ficou mais grave a enfermidade de minha mãe, que sempre me incentivava com carinho – e aos meus colegas com os tradicionais mousses e sorvetes que adoçavam as horas de estudo – e, algumas vezes, sem esquecer um bom livro de doutrina, tive que faltar ou sair mais cedo do estudo para ir dormir com ela no hospital, até o fim.

O trabalho no CPD do TJPB era variado, desde pequenos sistemas, administração da rede, montagem e configuração de computadores, construção da home page (em HTML!), tirar dúvidas dos usuários e juízes da utilização do Windows, do editor de texto e do sistema de controle de processos, entre outros. Em resumo: em nada contribuía para a minha evolução como bacharel em Direito. A única exceção foi quando apareceu a oportunidade de simples digitação e correção da jurisprudência do tribunal e, apesar de ser uma tarefa menos qualificada do que as que eu fazia, pedi tal incumbência, somente para lê-la e assimilá-la.

A observação do êxito crescente nos concursos públicos – somente tentava para o Ministério Público e para a magistratura, não negando que esta era o meu alvo principal – permitiu que o Des. Antônio de Pádua me convidasse para a sua Assessoria e, mesmo com decréscimo financeiro de quase 20% às portas de um casamento já planejado, aceitei deixar a informática para mergulhar de cabeça no mundo jurídico. Isto foi importante para me preparar para as sentenças cíveis. Pouco tempo depois (outubro de 1998), passei no concurso que sempre foi o meu alvo principal: a magistratura comum estadual na minha Paraíba.

Sei que boa parte do meu caminho tem que ser tomado como exemplo “do que não deve ser feito”, como o descaso para o estudo durante a graduação e para o fato de nunca ter lido um acórdão de meu pai antes de ser magistrado, quando eventualmente os descubro nos processos antigos das minhas unidades jurisdicionais. Vejo, entretanto, que, com o incentivo e a resignação de minha amada esposa Elme, soube investir em mim mesmo, soube quando ganhar menos, cumprindo as lições simples de meu pai: “não vou deixar para você ou para seus irmãos bens ou dinheiro, apenas os estudos, que ninguém pode tirar”.

Por fim, lembro que os conhecimentos angariados na informática na foram em vão. Ao contrário, foram muito úteis para melhorar minha produtividade e na função de juiz corregedor auxiliar, vez que me foi destinada a parte que cuida exatamente da integração entre o Direito e os sistemas de informática utilizados pelo Poder Judiciário da Paraíba.

Um comentário:

  1. "fui reprovado em alguns concursos que foram aparecendo, mas foi sensível a minha evolução, sempre logrando atingir uma fase mais qualificada no concurso seguinte." Estou mais ou menos neste patamar.

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