(Artigo elaborado e publicado em junho/2008, no site Correio Forense, mas que não tinha
lançadoainda neste meu espaço e, como se mantém atualizado, merece ser replicado)
lançadoainda neste meu espaço e, como se mantém atualizado, merece ser replicado)
O § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, 23 de agosto de 2006, apresenta a seguinte redação:
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Desde logo, convém elogiar a posição do legislador que procurou criar um mecanismo através do qual o juiz possa melhorar a situação daquelas pessoas que ainda não estão completamente corrompidas pelas organizações criminosas, dando-lhes a possibilidade de se recuperarem. Buscou, assim, estabelecer uma punição adequada que satisfaça às finalidades de retribuição e de prevenção (geral e especial) da pena, sem que seja necessária toda a força prevista para o delito, com pena in abstracto que varia entre 05 e 15 anos de reclusão e 500 a 1.500 dias-multa.
As condições elencadas são indubitavelmente oportunas, pois excluem aqueles mais ligados aos diversos crimes, com maus antecedentes, reincidentes e aqueles que integram organizações criminosas – das quais, em regra, não se sai com vida. Neste ponto, impõe-se uma pergunta: qual elemento ou quais elementos o magistrado fixador da pena levará em consideração para diminuí-la diante da amplitude dessas frações (um sexto a dois terços)?
Veja-se que no ordenamento jurídico penal são contempláveis dois tipos de causas especiais de aumento ou diminuição de pena, as de fração fixa (p. ex. o 1/3 do furto noturno ou o 1/2 pelo fato do agente ser pai da vítima nos crimes contra os costumes) e as de conteúdo variável (p. ex. as majorante do roubo, que variam de 1/3 até 1/2, ou a minorante da tentativa, que variam de 1/3 a 2/3).
As primeiras têm natureza objetiva, ou seja, quando verificadas, diminuem ou aumentam a pena com uma fração fixa, não permitindo ponderação, diante dessa objetividade. Já as causas de aumento ou diminuição de conteúdo variável requerem normalmente uma maior ponderação do magistrado, pois podem ser mais ou menos cumpridas, isto é, permitem que o magistrado estabeleça a fração adequada ao caso concreto. A título de exemplo, citamos a minorante da tentativa (art. 14, § 2º, parágrafo único, do CP). Nesse caso, de acordo com a maior ou menor distância entre a conduta e a consumação do crime, pode o julgador optar por diminuir mais ou menos a pena, numa proporcionalidade direta. O mesmo acontece na hipótese de várias outras minorantes e majorantes.
A minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, apesar de conter várias condições objetivas, não estabelece uma fração fixa, mais uma faixa de frações. Trata-se de uma situação incomum na sistemática do ordenamento jurídico penal já esboçada, pois o magistrado não tem um norte para ponderar a ampla faixa de diminuição da pena, no caso de 1/6 a 2/3. Por outro lado, não se pode imaginar que a intenção do legislador, ao criar a norma, foi que algumas daquelas condições possam não ser cumpridas. Todas devem ser cumpridas, conforme demonstra a conjunção “nem” utilizada para ligar seu último elemento.
Guilherme Nucci – trazendo luz para esta questão – recomenda, de forma oportuna, a utilização dos “elementos do art. 59 do Código Penal, com a especial atenção lançada pelo art. 42 desta Lei”[1]. Alerta, entretanto, para o perigo do bis in idem que pode ocorrer na aplicação dessa terceira fase (própria para as minorantes e majorantes) dos mesmos critérios existentes para a fixação da pena-base. Neste ponto, convém lembrar que constitui princípio da aplicação da pena a utilização, na fase mais qualificada, de circunstância que possa servir em duas fases distintas.
Outro ponto relevante do dispositivo em estudo é a expressa vedação da conversão da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, quando da aplicação dessa causa especial de diminuição de pena. À primeira vista, parece ser uma simples restrição. Entretanto, para termos outra compreensão, devemos estar atentos à regra de interpretação que afirma a inexistência de palavras desnecessárias e inúteis na lei, especialmente ao teor do art. 44 da Lei de Drogas:
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Ora, se o art. 44 da citada lei já prevê a impossibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, para que o mesmo comando no art. 33, § 4º? Em resposta, entendemos que não há redundância. Como a norma em estudo (art. 33, § 4º) prevê uma série de condições que, se atendidas, gerarão direitos para o agente do ato criminoso, essa aparente restrição pretende, na verdade, conceder ao incriminado que satisfaz aquelas condições todos os direitos que foram negados no art. 44, restando apenas a impossibilidade de conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Observe-se que a regra geral do art. 44 é atenuada pela norma especial do art. 33, § 4º, que, como condição especial, restringe as proibições apenas à impossibilidade de conversão da pena aplicada.
Assim, se o indivíduo condenado por tráfico de drogas a uma pena-base de seis anos, permanecendo esta na segunda fase (de atenuantes e agravantes) satisfizer as condições previstas no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, pode ter a pena privativa de liberdade diminuída de 2/3 (indo para dois anos), além de poder ser beneficiado com a aplicação de sursis da pena e indulto. Importante assinalar que graça e anistia são vedações constitucionais (art. 5º, XLIII, da CF) e não há a menor possibilidade de abrandamento dessa norma estabelecida na Lei Maior.
Essa nos parece ser vontade da lei, preocupada em dar uma nova chance àqueles que, numa primeira desventura, enveredam pelos crimes mais graves ligados a drogas e entorpecentes. A vontade da lei toma por base a política de combate ao tráfico, que assim pode ser expressa: por um lado, quer dar nova oportunidade àqueles que ainda podem se redimir e, por outro, quer punir exemplarmente aqueles que teimam em se desviar da boa conduta. Através da flexibilização estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, concretiza-se a intenção da Constituição Federal que sabe ser um manancial de direitos e, ao mesmo tempo, sabe dar ao criminoso a punição esperada pela sociedade ante o cometimento de uma espécie de crime que a aflige mais e mais a cada dia.
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008. p. 331.
Amigo, te mandei um email sobre meu post acerca das atenuantes. Recebeu?
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