quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Equívocos Mais Comuns na Primeira Fase de Fixação da Pena

(Publicado originalmente no Jornal Carta Forense, São Paulo, novembro/2006, p. 24)

A fixação da pena é a parte da sentença penal condenatória onde mais são encontrados equívocos cometidos pelos candidatos de concursos para a magistratura e, também, pelos que já superaram com louvor essa etapa – os magistrados.

A primeira das fases de fixação da pena é a que visa estabelecer uma pena-base através da análise das circunstâncias, ditas “judiciais”, elencadas no art. 59 do Código Penal: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e conseqüências do crime e comportamento da vítima.

Um equívoco geral na interpretação dessas circunstâncias é dar a cada uma delas o mesmo valor, posto que a culpabilidade é, indubitavelmente, a mais importante delas. Essa primeira circunstância judicial é marcada com várias interpretações que fogem à intenção do art. 59/CP. Por vezes, vemos as seguintes explicações para impor uma culpabilidade negativa ao condenado: “atuou com dolo direto”; “tinha conhecimento da ilicitude de sua ação”; “por conta da reprovabilidade da conduta criminosa”. Não nos parece que a culpabilidade a que se refere o artigo tenha relação com as fórmulas adotadas, pois já está superada a culpabilidade inerente ao fato criminoso, a simples reprovabilidade. Ora, se o agente não tinha conhecimento da ilicitude ou se sua conduta não fosse reprovável, o fato não seria punível e ele teria sido absolvido. Também, há crimes, como o furto e o estupro, onde o elemento subjetivo somente pode ser o dolo direto, diante da inexistência da forma culposa e da impossibilidade de realizar-se pelo dolo eventual. Assim, a culpabilidade nesse momento, onde já está superada a criminalidade da conduta, deve ser entendida como uma “reprovabilidade exacerbadora do tipo penal”, pois é necessário adequar a pena à conduta criminosa, verificando o grau em que condenado ultrapassou com sua conduta o mínimo previsto no tipo penal. Por exemplo, um roubo pode variar de um mínimo para um máximo, onde o agente incute terror e violência desnecessário à vítima, sem que haja alteração do tipo para a forma qualificada.

Os antecedentes têm o estigma de sofrer bis in idem com a agravante da reincidência (art. 61, I, do CP), mas, se verificarmos que o mesmo réu detém um processo no qual pode ser considerado reincidente e outro que pode ser considerado apenas como um antecedente, nada obsta seja esta circunstância desabonada e, na segunda fase, sirva para agravar a pena.

A conduta social e a personalidade do réu raramente são referidas nos concursos públicos – por conta da simplicidade dos seus relatórios – e, na prática, é trazida aos autos pelas testemunhas arroladas pela defesa do réu. É preferível a utilização da informação trazida por elas que realizar a temeridade de tentar abstrair a personalidade do réu pelos poucos instantes de realização de um delito. Erro comum é a simples formação “personalidade voltada para o crime” como único fator a negativá-la, vez que a periculosidade não exaure a personalidade e os seus argumentos confundem-se com a existência de antecedentes.

São considerados motivos os fatos que impeliram o agente ao comportamento criminoso, devendo ser anteriores à ação. Por conta disso, depreende-se que os únicos crimes sem motivos são os culposos. A atenção do prolator da sentença deve voltar-se para o fato de que, muitas vezes, confunde-se motivo com finalidade ou objetivo. Por exemplo, na análise de um crime de furto, de roubo e de tráfico de entorpecentes, respectivamente, encontra-se anotações do tipo: “visou o agente ao ganho fácil, sem ter que trabalhar”; “os motivos são nocivos, derivados da cupidez”; “agiu o réu em busca do lucro fácil da atividade”. Tais análises são equivocadas, pois, nesses casos, quando se confundem os elementos referidos, não podem os motivos ser avaliados em desfavor do réu, por já serem inerentes ao dolo do tipo penal. Outras vezes, os motivos integram o tipo penal, como nos casos relacionados nos arts. 131 e 159 do Código Penal, que prevêem o objetivo específico de transmitir moléstia grave e de obter vantagem, respectivamente, caso em quem não podem ser analisados. Também, é necessário cuidado para não incorrer em bis in idem com a agravante do “motivo fútil ou torpe” ou a atenuante “motivo de relevante valor social ou moral” (art. 61, II, a, e 65, III, a, ambos do CP).

As circunstâncias do delito têm natureza objetiva, indicando tempo, duração, lugar e modo como se praticou o crime. Essas circunstâncias são “acessórias, que não compõem o delito, mas influem na sua gravidade” (Adalto Dias Tristão). Afinal, se compusessem o delito, seriam elementares do tipo. O modo de prática do delito não se confunde com a culpabilidade, porquanto se limita à exteriorização da conduta do agente que praticou o fato delituoso. Destaca-se a impossibilidade de relacionar, entre as circunstâncias do delito, aquelas que figurarão como atenuantes, agravantes, causas especiais de aumento e de diminuição de pena, porque se estaria perpetrando uma dupla valoração para o mesmo fato.

As conseqüências do crime somente devem ser consideradas quando não forem elementares do tipo, ou seja, essenciais à figura típica. Por exemplo, num homicídio, o ceifar de uma vida uma humana não deve ser considerado conseqüência do crime, por integrar o tipo. Mas as dificuldades financeiras da família, em decorrência da morte de seu provedor, podem ser consideradas. Também deve ser considerado o fato de a vítima ter passado sessenta dias incapacitada para exercer suas ocupações habituais por conta de uma lesão corporal, uma vez que foram ultrapassados os trinta dias previstos na qualificadora do § 1º, I, do art. 129/CP.

Na apreciação do comportamento da vítima, busca-se avaliar até que ponto a vítima contribuiu para a ação criminosa do agente. Não se trata de compensação de culpa, visto que o âmbito penal não a comporta. A natureza dessa análise repousa na necessidade de se considerar a contribuição da vítima no delito. Nos crimes culposos, uma constatação evidente do comportamento da vítima deve levar a um estudo, ainda na fase da motivação, da possível incidência de sua culpa exclusiva. Isso enseja a absolvição do agente por “inexistência de prova de ter o réu concorrido para a infração penal” (art. 386, IV, do CPP). Constatada alguma participação da vítima, mas não a exclusividade da culpa, deve ser levada em consideração, para beneficiar levemente o réu. É importante notar que esta é uma circunstância de natureza negativa. Assim, a constatação de que a vítima nada fez para impelir o réu ao crime é prejudicial a este.

A necessidade de fundamentação de cada uma das circunstâncias judiciais é seriamente cobrada nos certames públicos para ingresso na magistratura, ao passo que, na prática, basta referenciar as que efetivamente influenciaram ou serviram para onerar a pena do condenado, que parte sempre do mínimo, de acordo com construção doutrinária e jurisprudencial. Apesar da simplicidade desta cobrança e do explícito princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF), uma parcela dos profissionais ainda se limita a fazer referências genéricas às circunstâncias que teria utilizado para dosar a pena além do limite abstrato mínimo.

Por fim, salientamos que o concursando, por vezes, peca por criar informações não contidas nos autos ou nos relatórios das provas, como dizer que um estupro teve “conseqüência grave, por ter deixado seqüelas emocionais na vítima”, arranjar antecedentes ou motivos, entre outros atos de imaginação.

As circunstâncias judiciais são de grande subjetividade e, por isso, podem ser consideradas um “ponto de força”, mas, antes disto, devem ser um foco do sentimento de justiça e conhecidas pelos que prolatam as sentenças e pelos que pretendem reformá-las.

Quando eu era estudante de Direito

(Publicado originalmente no Jornal Carta Forense, São Paulo, novembro/2006, p. F10)

Muito fácil falar sobre o assunto, pois ainda me considero e efetivamente sou um estudante de Direito. Ademais, não cheguei a ter problemas do tipo caminhadas para ir estudar, filhos ou casamento precoce e acredito que a minha trajetória não chegou a ser árdua ou sofrida, mas, sem dúvida, foi de perseverança.

Talvez por ser filho temporão de pais com 47 e 45 anos, sempre fui ciente de minhas obrigações estudantis, ou seja, que a minha parte era estudar. Eu bem as desempenhava, chegando ao ponto de afirmar que meu pai não sabia a série que eu cursava: apenas lhe pedia dinheiro para as matrículas e mensalidades e recebia os cheques para efetuar os pagamentos. Não sabe ele como foi atroz a dúvida entre dois talentos que tive e que andei muito inclinado pela computação, que sempre tive como hobbie, até que um professor do segundo grau percebeu a minha fácil assimilação para assuntos ligados aos Poderes estatais, atividade legislativa e outras abordadas pela disciplina de OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e me convidou para ser seu monitor.

Quando eu realmente iniciei o estudo (1990), na graduação da Faculdade de Direito da UFPB, eu era um simples adolescente comum, com 17 anos bem permeados de rock dos anos 80, que fazia academia, lia best-sellers e revistas em quadrinhos, namorava, tinha muita habilidade com os recursos de informática e não dispensava praia e cinema.

Desde o início do curso eu já digitava trabalhos e monografias para ganhar algum dinheiro. Nada demais, apenas para não pedir ao meu pai o dinheiro da saída ou de algum presente para namorada e amigos. Na metade do curso (1992), eu já dava aulas de Windows, Word For Windows e Page Maker. Eu me orgulho de dizer que fui o primeiro professor de tais programas na Paraíba. Tinha, também, uma incessante curiosidade sobre o que me aguardava na última fase de jogos como Wolfstein 3D, Doom, Quake e outros que lhe seguiram.

Confesso que, com tantas atividades, não me dediquei com afinco às matérias da graduação e, como alguns professores também não chegavam a inspirar os alunos a ir em busca de um plus em relação aos estudos, fui um aluno mediano, que, inobstante prestar atenção às aulas e estar sempre presente, apenas estudava o suficiente para vencer as cadeiras. Eu sofri as conseqüências disso quando estava estudando para concurso, pois tive de praticamente reiniciar os estudos de Direito Processual Civil e Penal. Por sorte, essa reconciliação foi tão proveitosa, que são até hoje as minhas preferidas, que continuo estudando e tentando transmitir.

No último ano do curso (1994), fui chamado num concurso que prestei para oficial de justiça e assumi a função perto do final do curso, vez ser um cargo de nível médio.

Após a colação de grau, as minhas atividades estudantis continuaram, pois resolvi fazer o Curso Preparatório para a Carreira de Magistrado da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, afinal, já tinha me decidido pela magistratura desde o segundo ano da graduação, conseguindo aprovação no exame de seleção daquele ano. Denoto que, além do meu pai, já tinha um irmão do Ministério Público e aquele sempre tentou me convencer a seguir a carreira de promotor de justiça.

Com alguns bons amigos que fiz no ano em que cursei a ESMA (1995), continuei a estudar tão logo da virada do ano, toda a noite, até que os olhos não mais se agüentassem da rotina pesada de um duplo expediente na Coordenadoria de Processamento de Dados do Tribunal de Justiça da Paraíba, para onde me requisitaram, quando cientes da minha qualificação na área de informática, plenamente compatível com a intenção do então presidente daquele órgão, Des. Antônio Queiroga, em informatizar todo Estado. Foi uma oportunidade interessante, percorrer várias comarcas do interior do Estado, instalando os computadores, ministrando treinamentos e conhecendo alguns fóruns e muitos futuros colegas.

O estudo noturno em casa com os amigos durou anos. Neste tempo, fui reprovado em alguns concursos que foram aparecendo, mas foi sensível a minha evolução, sempre logrando atingir uma fase mais qualificada no concurso seguinte.

Nesta época ficou mais grave a enfermidade de minha mãe, que sempre me incentivava com carinho – e aos meus colegas com os tradicionais mousses e sorvetes que adoçavam as horas de estudo – e, algumas vezes, sem esquecer um bom livro de doutrina, tive que faltar ou sair mais cedo do estudo para ir dormir com ela no hospital, até o fim.

O trabalho no CPD do TJPB era variado, desde pequenos sistemas, administração da rede, montagem e configuração de computadores, construção da home page (em HTML!), tirar dúvidas dos usuários e juízes da utilização do Windows, do editor de texto e do sistema de controle de processos, entre outros. Em resumo: em nada contribuía para a minha evolução como bacharel em Direito. A única exceção foi quando apareceu a oportunidade de simples digitação e correção da jurisprudência do tribunal e, apesar de ser uma tarefa menos qualificada do que as que eu fazia, pedi tal incumbência, somente para lê-la e assimilá-la.

A observação do êxito crescente nos concursos públicos – somente tentava para o Ministério Público e para a magistratura, não negando que esta era o meu alvo principal – permitiu que o Des. Antônio de Pádua me convidasse para a sua Assessoria e, mesmo com decréscimo financeiro de quase 20% às portas de um casamento já planejado, aceitei deixar a informática para mergulhar de cabeça no mundo jurídico. Isto foi importante para me preparar para as sentenças cíveis. Pouco tempo depois (outubro de 1998), passei no concurso que sempre foi o meu alvo principal: a magistratura comum estadual na minha Paraíba.

Sei que boa parte do meu caminho tem que ser tomado como exemplo “do que não deve ser feito”, como o descaso para o estudo durante a graduação e para o fato de nunca ter lido um acórdão de meu pai antes de ser magistrado, quando eventualmente os descubro nos processos antigos das minhas unidades jurisdicionais. Vejo, entretanto, que, com o incentivo e a resignação de minha amada esposa Elme, soube investir em mim mesmo, soube quando ganhar menos, cumprindo as lições simples de meu pai: “não vou deixar para você ou para seus irmãos bens ou dinheiro, apenas os estudos, que ninguém pode tirar”.

Por fim, lembro que os conhecimentos angariados na informática na foram em vão. Ao contrário, foram muito úteis para melhorar minha produtividade e na função de juiz corregedor auxiliar, vez que me foi destinada a parte que cuida exatamente da integração entre o Direito e os sistemas de informática utilizados pelo Poder Judiciário da Paraíba.