quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Justiça do Acre usa torpedo de celular para proferir sentença e expedir alvará de soltura

(Fonte: Migalhas)



O Poder Judiciário do Acre está se valendo dos mais variados meios tecnológicos para distribuir Justiça. No feriado da última sexta-feira, 30/10, o juiz de Direito Edinaldo Muniz, titular da vara Criminal de Plácido de Castro, usou um torpedo de celular para proferir uma sentença e expedir alvará de soltura.
O magistrado estava em Rio Branco quando foi informado pelo cartório que um devedor de pensão alimentícia, preso desde 27/10, havia quitado o débito referente ao processo. Imediatamente, o juiz postou pelo celular ao cartório a seguinte sentença:
"(...) Pago o débito, declaro extinta a execução. Esta, certificada, deverá servir de alvará em favor do executado. Sem custas e sem honorários. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Arquivem-se. Rio Branco/AC, 30 de outubro de 2009, às 14h24. Edinaldo Muniz dos Santos, Juiz de Direito".
Segundo o juiz, "trata-se de um procedimento simples, que feito com segurança, agiliza o fim do processo". No caso em questão, o executado obteve sua imediata soltura, de modo simples e sem burocracia. Esta talvez seja uma das primeiras experiências de utilização do recurso na Justiça brasileira.

domingo, 4 de outubro de 2009

Atos infracionais da adolescência [NÃO!] podem ser levados em consideração na fixação da pena


Lendo notícia recente do Informativo nº 558 do STF, entitulada Dosimetria da Pena e Proporcionalidade, ficamos estarrecidos com o seguinte trecho que a notícia atribui ao voto do relator, Min. Ricardo Lewandowski:


Salientou que os atos infracionais podem e devem, sim, ser levados em conta na avaliação da personalidade do paciente.

É verdade que alguns poucos doutrinadores e julgadores admitem a possibilidade de considerar, na avaliação da circunstância judicial da personalidade, de forma desfavorável, os atos infracionais cometidos pelo réu, quando da sua menoridade. Todavia, esse entendimento não expressa a melhor técnica jurídica. A jurisprudência já se posicionara contra a consideração do ato infracional como antecedente criminal. Mesmo assim, alguns julgadores, talvez na ânsia de aumentar a pena do criminoso, vislumbram a possibilidade de fazê-lo nesta circunstância judicial.
Mais uma vez, recorremos aos direitos gerais inerentes à infância e à adolescência para mostrar que tal medida não é justa: o adolescente é dotado de uma personalidade em formação e, por isso, não se pode afirmar seja ela voltada para a prática de delitos. Não se pode, assim, identificar impulsos maléficos em uma personalidade que ainda não estava formada à época da prática do ato, mesmo que, posteriormente, a pessoa tenha se corrompido.
            Não se pense que somos grandes partidários da Justiça da Infância e Juventude da forma com qual ela se apresenta na atualidade – verdadeiro estímulo à impunidade. Preferiríamos, sem dúvida, um sistema que simplesmente avaliasse a culpabilidade do agente – aqui entendida na acepção que a teoria analítica do crime lhe concede, como terceiro elemento do crime. Entretanto, a unidade do ordenamento jurídico deve ser mantida e a compreensão de que a prática de atos infracionais na adolescência pode ser entendia em desfavor do réu na análise da circunstância judicial da personalidade é uma afronta a tudo que é apregoado no Direito da Infância e Juventude.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A (difícil) trajetória para publicação de um artigo jurídico

No ano passado (2008), mais precisamente no final do ano, fazíamos parte do Conselho Editorial da Revista Escola Superior da Magistratura da Paraíba, quanto tivemos a idéia de fazer um artigo para possível publicação na revista.
O artigo tinha, inicialmente, a idéia de ser um "estepe", uma alternativa para o caso da revista ser pouco procurada pelos operadores do Direito da Paraíba para publicação de seus artigos. No entanto, dois fatos ocorreram: 1) a procura pela publicação na revista foi muito grande e de excelente qualidade, tornando desnecessário o meu "artigo de contingência"; 2) com os estudos, verificamos que o instituto escolhido não bastava per si, pois eventualmente confundido com outros, além das mudanças causadas pela reforma processual recente e, por isso, à medida que fomos agregando novos elementos ao texto, ultrapassamos a número máximo de páginas estabelecido para aquela revista.
O artigo, feito com esmero e sem tempo, diante das atribulações diárias como juiz, professor da ESMA-PB e FESMIP-PB, estava sua versão final pronta desde fevereiro de 2009 e, após correção gramática e ortográfica, estava pronto para publicação em março.
Após enviar para ser analisado para publicação por revista que inicialmente pediu por um abstract e, da data na qual isso foi sanado – 20 de maio – até 23 de setembro esperamos a apreciação pelo conselho editorial. Não acontecida esta, antes que o tema perdesse sua originalidade e passasse o momento da reforma processual, enviamos nessa última data e-mail para o conhecido site Jus Navigandi, que, hoje o publicou, com destaque.
Sob o título "Emendatio libelli" e a redefinição judicial prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa, aborda principalmente o instituto do título, sem olvidar de trazer distinções para a mutatatio libelli e a desclassificação. Também, é feita verdadeira defesa sobre a possibilidade de o magistrado proceder a redefinição prévia da classificação dos fatos da denúncia ou queixa. Esperamos que gostem.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

STJ cancela súmula 366 sobre acidente de trabalho

(Fonte: Site Consultor Jurídico)

O julgamento de ação de indenização por acidente de trabalho movida pelos herdeiros do trabalhador é de competência da Justiça do Trabalho. O novo entendimento foi firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu revogar a Súmula 366, que estabelecia ser a Justiça Estadual a competente para o julgamento dessas ações. A mudança se deu devido à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada após a Emenda Constitucional 45/04.
A emenda, que ficou conhecida como Reforma do Judiciário, atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para julgar as ações de indenização por dano moral e material decorrente de relação de trabalho. O STF incluiu aí as ações motivadas por acidente de trabalho.
No caso julgado pelo STJ, a ação foi proposta pela viúva do empregado acidentado, que queria indenização. Em situação semelhante, o tribunal já havia sumulado que era a Justiça Estadual quem deveria julgar ação indenizatória proposta por viúva e filhos de empregado morto em acidente de trabalho (Súmula 366).
Recentemente, porém, o STF firmou entendimento de que indenizações a respeito de acidentes de trabalho são de competência da Justiça trabalhista. Sendo assim, é irrelevante para a definição da competência da Justiça do Trabalho que a ação de indenização não tenha sido proposta pelo empregado, mas por seus sucessores.
Considerando que cabe ao STF dar a palavra final sobre interpretação da Constituição — no caso, o artigo 114 —, o relator do conflito de competência analisado pela Corte Especial do STJ, ministro Teori Zavascki, propôs o cancelamento da súmula. O ministro destacou ser importante que o STJ adote a posição do STF até mesmo para evitar recursos desnecessários. Com isso, o STJ passa a acompanhar a posição do STF. O ajuizamento da ação de indenização pelos sucessores não altera a competência da Justiça especializada.

Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
CC 101.977

terça-feira, 22 de setembro de 2009

CNJ parabeniza atuação de juízes paraibanos no Mutirão Carcerário

Em ofício enviado ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Luiz Sílvio Ramalho Júnior, o juiz Douglas de Melo Martins, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), parabenizou os magistrados paraibanos que atuaram no Mutirão Carcerário. Ele fez questão de registrar o empenho total dos juízes, que trabalharam inclusive nos finais de semana para garantir o cumprimento dos prazos do Mutirão.
“Sirvo-me do presente para exaltar o trabalho dos juízes Lilian Frassineti Cananéa Moreira, Manoel Gonçalves Dantas de Abrantes, Bruno César Azevedo Izidro, Ely Jorge Trindade, Euler Paulo de Moura Jansen, Marcos Aurélio Pereira Jatobá Filho, Eslu Eloy Filho, Falkandre de Sousa Queiroz, Adilson Fabrício Gomes Filho e Carlos Martins Beltrão Filho”, destacou o coordenador do Mutirão Carcerário da Paraíba pelo CNJ, juiz Douglas de Melo Martins.
Os elogios também foram extensivos ao presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Ramalho Júnior. “Por fim, agradeço a valiosa contribuição e apoio de Vossa Excelência durante todo o Mutirão Carcerário no Estado da Paraíba, não medindo esforços para o êxito total do trabalho e da parceria com o Conselho Nacional de Justiça”.
Iniciado no dia 6 de junho, o Mutirão Carcerário na Paraíba analisou 6.336 processos. O trabalho, que foi realizado pelos juízes paraibanos, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), resultou na libertação de 451 presos condenados e 319 provisórios. Durante o Mutirão, foram inspecionados cinco presídios de João Pessoa, quatro de Campina Grande e dois de Patos.

Por Lenilson Guedes
Fonte: Coordenadoria de Comunicação Social do TJPB

domingo, 6 de setembro de 2009

O Reajuste Anual do Subsídio dos Juízes

(Este artigo foi colhido no Blog Direitos Fundametais e é de autoria do sempre brilhante Juiz Federal George Marmelsteins Lima)

Existem determinados temas que são tão carregados de preconceito que qualquer opinião que se dê contra o senso-comum é solenemente ignorada e ridicularizada. Falar de salário de juízes é um desses temas. Diga-se o que disser que a imagem do juiz milionário, que não trabalha e ainda é corrupto não é apagada da memória da população. Seja quanto for o salário dos juízes, sempre será elevado aos olhos da sociedade. A maioria sequer sabe quanto ganha um juiz, mas já parte do princípio de que é uma quantia absurda.
Apesar disso, mesmo sabendo que todas as minhas palavras aqui serão em vão, vou apresentar alguns motivos para justificar porque considero que o reajuste anual do subsídio é um direito importante. Além disso, vou tentar demonstrar o risco que corre a sociedade com essa atual política de vencimentos que obriga os juízes a mendigarem anualmente perante o executivo e o legislativo por uma mera reposição inflacionária. Acredito que esse segundo ponto é mais importante. Então, vou começar por ele.

Dizer que o direito ao reajuste anual dos vencimentos é um direito garantido pela constituição parece que não é um argumento convincente, apesar da clareza de redação do artigo 37, inc. X. Também não parece ser muito impactante a constatação de que as únicas normas da constituição relativas à magistratura que são cumpridas são aquelas que estabelecem proibições ou restrições aos juízes. As raríssimas normas que beneficiam os magistrados são solenemente ignoradas. Até aí, o problema não é tão extraordinário, pois há outras normas constitucionais até mais importantes que também possuem baixíssima eficácia.

O problema maior é que, para poderem tentar garantir esse direito básico, os juízes precisam se submeter ao joguete sujo da política partidária, onde vale tudo. Nesse jogo, a independência da magistratura é claramente ameaçada, já que os juízes são pressionados pelos políticos a renunciarem parte de sua autonomia decisória em troca do cumprimento da norma constitucional.
Não tenho dados empíricos para demonstrar essa minha tese, mas é fácil perceber que toda vez que o Judiciário profere decisões que desagradam os políticos, a retaliação é imediata: suspende-se a votação de qualquer lei de interesse da magistratura. Foi assim quando o Supremo Tribunal Federal proibiu o nepotismo no legislativo, no executivo e no judiciário; foi assim quando o Tribunal Superior Eleitoral aprovou regras moralizadoras das eleições (fidelidade partidária e verticalização); foi assim quando a AMB tentou impedir a candidatura dos políticos “fichas-sujas”; foi assim quando políticos importantes foram cassados ou processados e assim sempre será enquanto os juízes estiverem dependendo da boa vontade dos demais poderes para garantirem o respeito de suas prerrogativas. Não é à toa que os juízes são talvez os únicos cidadãos brasileiros que estão com seus salários absolutamente congelados há quatro anos.

Nunca tive oportunidade de travar um “corpo a corpo” com um parlamentar para defender qualquer lei de interesse da magistratura. Mas os colegas que tiveram essa experiência narram cenas impressionantes. É um jogo rasteiro, de “toma lá da cá”, de ameaças veladas, de ironias cínicas, enfim, um ambiente para quem tem estômago. Que tipo de independência é essa que coloca os juízes nas mãos daqueles que estão sendo julgados ou até mesmo daqueles que já foram condenados judicialmente?
Como se vê, não são apenas os juízes que perdem com essa situação. A sociedade talvez seja a principal prejudicada, pois corre o risco de perder uma das poucas armas contra a corrupção e a falta de moralidade na política brasileira.
Dito isso, passo ao outro ponto: por que é importante garantir o reajuste anual?
Um juiz federal com quarenta anos de serviço ganha menos de quinze mil reais líquidos. Hoje, não há mais penduricalhos. O subsídio é uma parcela única e ponto final. Não adianta acrescentar a esse montante valores como auxílio-alimentação, auxílio-moradia, auxílio-paletó, auxílio-combustível, adicional por tempo de serviço ou algo do gênero, pois essas verbas não existem, pelo menos para um juiz federal de primeira instância. Ao contrário de todos os servidores públicos federais do Brasil, juízes não recebem nem vale refeição nem vale transporte. É só o subsídio limpo e seco.
Quinze mil é uma quantia elevada se compararmos com o salário de outros trabalhadores, já que o salário mínimo é ridículo. Mas está dentro da razoabilidade se o padrão for profissões cuja responsabilidade se assemelha à dos juízes, como gerentes ou diretores de grandes empresas privadas, jornalistas das grandes mídias, médicos ou advogados já estabelecidos no mercado. Mas não convém aqui discutir se quinze mil é muito ou é pouco, pois foi esse o valor estabelecido pelo Congresso Nacional. A maioria dos juízes aceitou esse valor, embora muitos tenham ficado insatisfeitos, pois achavam pouco. O certo é que foi uma decisão política dentro do que era possível naquele momento.
Esse valor foi estabelecido em 2005. De lá para cá, permanece o mesmo sem qualquer alteração. Não conheço nenhum profissional da ativa ou aposentado que receba o mesmo salário desde 2005. Todas as profissões tiveram reajustes e aumentos durante esse tempo, em alguns casos até superior à inflação. A inflação acumulada no período foi de mais de 14%. O salário mínimo aumentou muito mais; o valor das aposentadorias, também. Só o subsídio dos juízes não teve qualquer reposição inflacionária desde 2005.
No presente momento, o Congresso Nacional está debatendo esse tema. Não tenho dúvida de que, seja qual for o resultado da votação, será prejudicial aos juízes, pois a reposição inflacionária nunca será integral. Até mesmo o projeto enviado pelo Supremo Tribunal Federal, que prevê o reajuste de cerca de 14%, é insuficiente, pois parcelou esse aumento em três vezes sem direito a qualquer retroativo pelo período de corrosão inflacionária, nem levou em conta a inflação de 2009. Os juízes de primeiro grau não possuem iniciativa legislativa e, portanto, têm que se submeter, nesse ponto, ao que for decidido pelo Supremo Tribunal Federal, o que também não deixa de ser uma forma de redução da independência.
Mesmo que qualquer reajuste seja aprovado, ainda que seja no montante de 14% parcelados, o que é quase impossível, considero que a situação como um todo deve ser objeto de uma profunda reflexão. Até que ponto é benéfico para a sociedade deixar os juízes nas mãos da cúpula do Judiciário e do próprio legislativo?
Uma solução para esse problema seria extremamente simples e tem sido defendida por alguns colegas, em especial pelo Agapito Machado. A Constituição exige lei específica para aprovação de aumento do valor do subsídio, mas não para uma mera reposição inflacionária, que é um direito básico. O valor do subsídio já foi estabelecido por lei. Desse modo, bastaria que o STF ou o CNJ, por resolução, desse cumprimento à norma constitucional prevista no artigo 37, inc. X, da CF/88, desde que não houvesse propriamente aumento real no valor do subsídio dos juízes, mas tão somente uma reposição da inflação do período.
Eis uma solução simples que possui respaldo constitucional e prestigia a independência da magistratura. E se a inflação fosse de apenas 0,1%, os juízes deveriam se conformar com esse montante. Se quiserem mais, teriam que procurar as vias legislativas próprias.
A questão é a seguinte: será que os que estão hoje no poder, inclusive na cúpula do Judiciário, possuem algum interesse em respeitar a independência da magistratura? Duvido muito…
Tempos tristes para a magistratura brasileira…

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Renovação da Lei nº 2252/54 e menoridade penal


A Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, tomou uma providência que era, tecnicamente, desnecessária, pois o seu art. 5º insere no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) a figura da corrupção de menores, nos seguintes termos: Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la.

Vê-se que esta redação apenas repetiu a redação do art. 1º da Lei 2.252, de 1º de julho de 1954, a qual revogou expressamente: “Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de Cr$1.000,00 (mil cruzeiros) a Cr$10.000,00 (dez mil cruzeiros), corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando infração penal ou induzindo-a a praticá-la”.

Onde está a presunção de que todos conhecem a lei? A lei não “tem vigor até que outra a modifique ou revogue” (art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil)?

Enfim, houve o reconhecimento que a Lei 2.252/54 estava esquecida de muitos profissionais jurídicos e buscou-se renová-la com a inserção no popular ECA. Afinal, é uma norma com um conteúdo importante e atual, numa época que menores são usados para disfarçar a culpabilidade dos maiores autores dos crimes, a ponto de imaginar-se baixar a idade da imputabilidade penal para dezesseis anos.

Essa pode ser uma boa medida ou, no mínimo, um bom paliativo até que a menoridade baixe e diminua diretamente a idade de arregimentação das futuras tropas criminosas.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Inquirição de Testemunhas e a Reforma do CPP

(Publicado originalmente no site Jus Navigandi, em 18/11/2008, Teresina-PI)

A recente reforma do Código de Processo Penal constituiu-se basicamente nas alterações que nele foram efetuadas por três leis: a Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, que alterou o rito e outras questões relacionadas com o Tribunal do Júri; a Lei nº 11.690, de mesma data, que alterou elementos relacionados à prova processual, e, por fim; a Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, que alterou questões ligadas à emendatio e mutatio libelli, alguns elementos da sentença e aos ritos ordinário e sumário.

A nova redação do art. 212, pela Lei nº 11.690/08, instituiu as perguntas diretas – não mais reperguntas – pelas partes às testemunhas, cabendo ao juiz estar atento para inadmitir aquelas que induzam a resposta, impertinentes ou repetidas.

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.

Quanto a isso, não há nenhuma dúvida e é facilmente compreensível diante da literalidade da norma examinada e não há quem não admita ser um avanço em relação à legislação anterior.

Entretanto, essa interpretação literal gerou impasse na doutrina e alguns (a exemplo de NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 480) ainda afirmam que o juiz iniciaria a inquirição fazendo suas próprias perguntas. Esses afirmam que o magistrado é o destinatário da prova e a redação anterior também não explicitava que ele fazia perguntas. Quanto a esse último ponto, há ligeiro engano, e, para sua constatação, transcrevemos a redação anterior:

Art. 212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida (grifo nosso).

Se havia perguntas “das partes” é por se admitir a existência de perguntas de outrem e, certamente, não eram do porteiro do auditório ou do analista judiciário. Eram as perguntas do juiz.

Não temos dúvidas que a lei determina que, inicialmente, seja dada a palavra às partes, para perguntas diretas, cabendo ao juiz complementá-las. Essa metodologia será, certamente, difícil de ser assimilada, tanto pela acusação, como pela defesa, mas toda mudança cultural é árdua e enseja algum descontentamento.

A complementação referida pela lei, realizada pelo juiz, pode ocorrer tanto no caso das perguntas que deixam algo no ar e que tem consectários lógicos que não foram feitos, como no caso de perguntas que efetivamente não foram feitas e guardem correlação com o caso. No primeiro, pode – e deve – o juiz fazer de logo a complementação, como se fosse um aparte, a exemplo do caso que um promotor pergunta à vítima de um furto se a comunidade do local comenta que o réu é o ladrão e, diante da resposta positiva, o juiz intervém, indagando se esse comentário se deu antes ou depois dele aparecer em programa televisivo de grande densidade no local. No segundo caso, no seu momento correto, o magistrado faz perguntas após as partes, de quaisquer questões que ache úteis para o seu julgamento, tanto absolutório quanto condenatório – perguntar como agiu a vítima antes e durante a infração, provavelmente para robustecer o “comportamento da vítima” de que fala o art. 59 do CP não ensejando a concepção de prejulgamento condenatório.

Ainda, permanece praticamente intocada pela doutrina tradicional a intenção do art. 411, § 8º (primeira fase do rito do Tribunal do Júri), e do art. 536 (rito sumário), ambos do CPP, alterados pelas Leis nº 11.689/08 e nº 11.719/08, respectivamente, e o fato de não haver elemento similar no rito ordinário.

Art. 411, § 8º. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no caput deste artigo.

Art. 536. A testemunha que comparecer será inquirida, independentemente da suspensão da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 deste Código.

Da dicção destas normas compreende-se que, mesmo que falte uma testemunha, serão inquiridas todas que comparecerem e, após isto, suspensa a audiência e designada a continuação apenas para a inquirição da(s) faltante(s), que, se foi(ram) intimada(s) e se omitiu(ram), será(ão) conduzida(s).

Aparente problema surge somente se a testemunha faltante for da acusação. A regra legal continuará aplicável, ou seja, todas as testemunhas que comparecerem inquiridas – mantida a ordem referida nos artigos, primeiro as de acusação que compareceram e, depois, as de defesa. Trata-se de uma hipótese legal (apenas para o rito sumário e o da primeira fase do júri) onde há possibilidade de inversão da ordem de oitiva de testemunhas, desde que, naquela audiência e na seguinte, seja atendida a ordem normal, com a inquirição das testemunhas de acusação e, somente após, da defesa, pois pode faltar uma de cada polo processual. Essa permissibilidade é somente naqueles ritos, que, pela pena menor dos crimes a ele submetidos (ver arts. 394, § 1º, II, e 538, ambos do CPP), no caso do sumário, e por ser a primeira fase mero juízo de admissibilidade da fase de plenário do Tribunal do Júri. Sendo o rito ordinário caracterizado pela maior amplitude de produção de provas e ampla defesa, a audiência será suspensa ao final da última testemunha de acusação e as testemunhas de defesa que compareceram ficarão intimadas para a continuação da audiência, quando será conduzida coercitivamente a testemunha faltante, caso tenha sido intimada e se omitido de comparecer em juízo.

Concordando este posicionamento, apenas há um único processualista penal (MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por artigo. São Paulo: Método, 2008. p. 307), mas certamente é a interpretação correta e qualquer outra derivaria para a conclusão de que os artigos nada dizem – e, conforme regra de hermenêutica, não há palavras desnecessárias na lei.

A referida reforma tanto consolidou práticas que já eram procedidas pelos magistrados, quando atentos ao texto constitucional, como trouxe inovações sem paradigmas e estas, certamente, trarão dúvidas e inconformismos até que se integrem definitivamente ao cotidiano forense.