terça-feira, 1 de maio de 2007

Técnicas de Sentença Criminal para Concursos

(Publicado originalmente no Jornal Carta Forense, São Paulo, maio/2007, p. C6)

Muitos são os pontos que o candidato a um concurso para a magistratura deve observar, quando de uma prova e, sem demora, passamos a comentá-los:

Bom uso do vernáculo

Já apreciamos muitas correções de provas por instituições especializadas em concursos e vimos que muitos pontos são extraídos dos alunos por erros gramaticais e ortográficos. São esquecidos os hífens de “dias-multa” ou “pena-base”, que a redução para o infinitivo pela não utilização de conjunções, a exemplo de “Nego o direito de o réu apelar em liberdade” e não “do réu”. Os examinadores procuram pessoas de boa escrita, não se confundindo essa com escrita rebuscada, de termos não-coloquiais ou expressões latinas desnecessárias. Por outro lado, também não desejam palavras chulas ou gírias, afinal, virtus stat in medio, e o bom senso deve ser a marca de um bom juiz.

O pior dos pecados vernaculares de um candidato, sem dúvida, é a confusão das idéias expostas ou inexpressão, devendo evitar os períodos longos ou invertidos.

Complexidade

Sempre há grandes indagações dos candidatos sobre questões extremamente complexas de concurso de crimes, concurso de réus e dispositivos complexos. Entretanto, nem sempre é o que se verifica nas provas que, por vezes, se tratam de crime único, com apensa um acusado e uma questão prejudicial de mérito levantada pela defesa.

Algumas instituições elaboradoras, a exemplo da CESPE, pedem um feito árduo: a realização de uma sentença criminal em 120 linhas em, no máximo, três horas. É claro que há a dispensa de cabeçalho, ementa (exigível em alguns Estados) e relatório. Entretanto, mesmo assim, isso só é possível com o sacrifício de um dos elementos mais importantes da sentença: a fundamentação. Já tivemos a oportunidade de analisar “gabaritos” de correção de várias provas da citada instituição e nos chocou a inexigibilidade de qualquer elemento da fundamentação ou a existência de dispositivo para pontuação no certame. Denoto que, na parte de dosimetria, ela se apresenta irrepreensível, buscando do candidato conhecimentos atuais e aplicados a este campo e que não são encontrados normalmente nas doutrinas tradicionais de direito penal nem na maioria dos livros dedicados à elaboração de sentença penal – quando muito, um autor toca num ponto, outro noutro, etc.

Treino

Não é só nos esportes que se apresenta importante o treino e a assimilação por repetição, também é de extrema importância para a realização de uma sentença num concurso. A sua principal benesse é dispensar a perda de tempo em ponderações, tornando automática a escrita da sentença, não parando para decidir que termos ou expressões o candidato usará antes do dispositivo, quando da passagem deste para a dosimetria, ou na aplicação da regra do concurso de pessoas, etc.

A prática com sentenças de crescente complexidade, além de permitir o aprendizado por repetição de assuntos por vezes abordados nas sentenças, torna o “roteiro” de redação da sentença uma seqüência quase automática para o cérebro.

Tendência à procedência

Sem dúvida, numa prova, há uma indubitável tendência à procedência parcial ou total “da pretensão punitiva do Estado expressa na Denúncia” – melhor chamar assim do que “julgar a Denúncia”, o que equivaleria, no campo cível, a julgar procedente a inicial e não o pedido nela feito.

Essa tendência se explica pelo fato de que uma das maiores complexidades da sentença criminal é a fixação da pena e, por isso, não haveria sentido em testar o candidato com uma questão meramente absolutória ou extintiva de punibilidade.

Note-se que, dependendo do tempo dispensado para a prova, quantidade de réus e crimes, a complexidade pode ser crescente, havendo possibilidade de múltiplos resultados numa única sentença (absolvição de uns, extinção da punibilidade para outros, rejeição da denúncia para os menores, etc.).

Pesquisar com antecedência alguns pontos-chaves da sentença

A técnica de sentença não é algo estanque nem pacífico no país continental em que vivemos. Os tribunais têm entendimentos diversos sobre elementos, métodos e entendimentos utilizados na sentença.

Quanto aos elementos, lembro que alguns poucos tribunais entendem pela necessidade de ementa, outros pedem por um novo relatório, pois podem ser distribuídos autos (simples, apenas com os documentos que interessam) ou relatórios mais complexos, que tragam matérias que normalmente não devem integrá-lo, como depoimentos de testemunhas, informes sobre o resultado de laudos, etc. Alguns acham interessante que haja determinação do tipo de estabelecimento penitenciário no qual o réu deverá cumprir sua pena privativa de liberdade.

Os métodos são mais intrincados. Alguns magistrados divergem em relação ao momento em que inserem na sentença o dispositivo. Num método, o magistrado, logo após a análise da materialidade do crime e sua autoria faz o dispositivo, julgando e condenando o réu nas penas de tal dispositivo penal (assim mesmo, abstratamente), para, depois, iniciar a dosimetria trifásica da pena. Noutro, após o exame da materialidade e da autoria, dando a entender que irá condenar o réu, faz a fixação da pena e, somente ao final, faz o dispositivo, julgando e condenando o réu, a uma pena (v. g.) de “x” anos de reclusão em regime “y”, pela prática de tal crime. Apesar de esse último método parecer mais compreensível, não nos parece ser a mens do Código Penal, vez que há dosagem da pena para alguém não ainda condenado e, apenas por isso, preferimos o primeiro.

Outra questão de grande importância que ainda não está pacificada é a fixação bifásica ou trifásica da pena de multa. Alguns juízes dosam a pena de multa simplesmente fixando a quantidade de dias-multa com base nas circunstâncias judiciais (art. 59/CP) e, depois, com base na condição econômica do réu (art. 60/CP), fixar o valor de cada dia-multa. Outros, como nós, detectam que o critério trifásico de fixação da pena (art. 68/CP) não deve ser aplicado somente em relação à pena privativa de liberdade, mas para qualquer tipo de pena. Assim, a fixação da quantidade de dias-multa obedeceria a todo o critério trifásico (circunstâncias judiciais, agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição da pena) e, ao final, é fixado o valor do dia-multa, da mesma forma do outro modelo.

Os entendimentos também podem ser divergentes, seja por disposição legal estadual, seja por meras divergências interpretativas. Um exemplo de divergência legal é a condenação em custas, pois em alguns Estados a lei de custas isenta os processos criminais de custas, enquanto que, em outros, não há o mesmo instituto.

Um exemplo de divergência interpretativa é, em caso de concessão da suspensão condicional da pena, a realização da audiência admonitória pelo magistrado da condenação ou da execução penal. Ainda, entre outros exemplos, subsistem divergências interpretativas sobre a possibilidade de a pena ultrapassar os limites legais ainda na segunda fase de sua aplicação, por conta de atenuantes ou agravantes.

Sugestão final

Esses breves escritos, ou poucas dicas da técnica de sentença criminal em concursos – verdadeiras guerras modernas – podem ser resumidos nas palavras do antigo general chinês Sun Tsu, estudioso de guerras propriamente ditas: “Conhece o teu inimigo e conhece-te a ti mesmo, e nunca porás a vitória em dúvida. Conhece o terreno, conhece o tempo e a tua vitória será total”.